Revolucionário conduziu uma das mais bem sucedidas experiências socialistas do continente africano, mas foi assassinado em 1987
Há 37 anos, em 15 de outubro de 1987, o revolucionário burquinês Thomas Sankara era traído e assassinado por um de seus antigos aliados. Elevado ao posto de presidente de Burquina Fasso após a Revolução de 1983, Sankara conduziu uma das mais bem sucedidas experiências socialistas do continente africano, marcada por grandes avanços sociais, tais como a universalização dos serviços públicos, luta pela igualdade de gênero e as ações contra a degradação ambiental.
Sua recusa em ver a África estagnada e submetida aos desmandos das potências ocidentais lhe granjeou enorme admiração, mas também muitos inimigos internos e externos, culminando com a sua execução.
Thomas Sankara nasceu em 21 de dezembro de 1949, em Yako, na antiga colônia francesa de Alto Volta. Era o terceiro dos 12 filhos de Marguerite e Sambo Joseph Sankara.
Após cursar o primário em Gaoua, ele concluiu o ensino básico em um liceu de Bobo-Diulasso. Os pais o pressionaram a seguir a carreira eclesiástica, mas Sankara optou por entrar no Exército.
Além de proporcionar oportunidades de ascensão social, a carreira militar atraía muitos jovens progressistas, que enxergavam as Forças Armadas como uma instituição apta a auxiliar na modernização do país. Sankara ingressou aos 17 anos na Academia Militar de Kadiogo, em Ouagadougou. Sob a orientação de um tutor marxista, teve seu primeiro contato com leituras sobre imperialismo, neocolonialismo, socialismo e os movimentos autonomistas africanos.
Em 1970, Sankara realizou um curso suplementar na Escola Militar Interafricana de Antsirabe, em Madagascar, onde estudou economia, sociologia, agricultura e ciências políticas. Durante sua estadia em Madagascar, o jovem leu obras de Karl Marx e Vladimir Lenin e testemunhou a eclosão de um grande levante popular que derrubaria o governo de Philibert Tsiranana.
Após retornar ao seu país, Sankara se consagraria nacionalmente por sua participação em um conflito por disputas territoriais travado entre o Alto Volta e o Mali, em 1974. Liderando um grupo de apenas 11 homens, o revolucionário conseguiu subjugar uma guarnição inimiga, feito que lhe rendeu o reconhecimento como “herói de guerra” — título que ele rejeitaria posteriormente, por classificar o conflito como “uma guerra inútil e injusta”.
Encerrado o conflito, Sankara se tornou comandante de uma unidade militar na cidade de Pô. Nessa função, foi responsável por empregar os militares na prestação de serviços às comunidades carentes e no auxílio aos pequenos agricultores, prejudicados por uma severa seca.
Ele dividia seu tempo entre os estudos, trabalho e a atividade de guitarrista e líder de uma banda de soldados chamada “Jazz Tout-à-Coup”.
Durante uma viagem ao Marrocos, Sankara conheceu Blaise Compaoré, que então compartilhava de sua percepção acerca das mudanças políticas necessárias no Alto Volta. Em seguida, fundou uma organização militar secreta intitulada “Agrupamento de Oficiais Comunistas”, da qual participariam o próprio Compaoré e nomes como Henri Zongo e Jean-Baptiste Lingani.
Capitão Sankara
Em 1980, Sankara, já alçado ao posto de capitão, participou do movimento armado que derrubou o presidente Sangoulé Lamizana e levou o coronel Saye Zerbo ao poder. Nomeado secretário de Estado da Informação, ele instituiu uma gestão que o colocaria em atrito com o novo governo.
Contrariando a tradição de censura da pasta, o militar incentivou o jornalismo investigativo e independente e permitiu a publicação desimpedida de denúncias de corrupção, desagradando Zerbo.
Indignado com o aumento da repressão e da perseguição aos dirigentes sindicais, Sankara rompeu com o governo. Em 1982, ajudou a destituir Zerbo e a empossar o major Jean-Baptiste Ouédraogo na Presidência de Alto Volta. Foi então nomeado primeiro-ministro do Conselho para a Salvação do Povo (CSP).
As críticas enérgicas de Sankara ao imperialismo, às práticas corruptas e aos “inimigos do povo” inflamaram os oficiais revolucionários, ao mesmo tempo em que desagradaram a ala conservadora do CSP e o indispuseram com o presidente Ouédraogo.
Em maio de 1983, em meio à visita de emissários do mandatário francês François Mitterrand, Sankara foi exonerado e preso junto com outros militares que compunham o “Agrupamento de Oficias Comunistas”.
A gestão de Sankara
A popularidade de Sankara, entretanto, ensejou uma forte reação popular. Militares, estudantes, líderes sindicais e organizações clandestinas de esquerda passaram a organizar grandes protestos exigindo sua libertação. A insatisfação generalizada se converteu em uma crise política, culminando na chamada Revolução de 1983, liderada por Blaise Compaoré.
Ouédraogo foi deposto e Sankara, libertado, foi conduzido ao cargo de presidente do Conselho Nacional da Revolução.
Sankara assumiu a gestão de um dos países mais pobres do mundo. O Alto Volta tinha então uma taxa de analfabetismo de 98% e um dos maiores índices de subnutrição do planeta. Inspirado pela Revolução Cubana, o burquinês buscou fundamentar seu governo em princípios socialistas e anti-imperialistas.
Rebatizou o país como Burquina Fasso (“Terra dos Incorruptíveis”), abandonando a antiga denominação colonial francesa. Já no início do governo, Sankara instituiu um amplo programa de reforma agrária, nacionalizando todas as terras e recursos naturais burquineses, distribuindo lotes a milhares de camponeses e criando metas para atingir a autossuficiência econômica — sendo imediatamente alvo de uma tentativa de golpe financiada por França, Estados Unidos, Togo e Costa do Marfim, debelada e punida com o fuzilamento dos conspiradores.
No segundo ano de governo, visando cumprir a meta anunciada de garantir “ao menos duas refeições e 10 litros de água por dia para cada habitante”, Sankara lançou o Programa de Desenvolvimento Popular (PDP) — programa de obras públicas que visava ampliar a segurança hídrica e alimentar, construindo 250 reservatórios e perfurando 3.000 poços artesianos.
O governo burquinês também determinou a universalização dos serviços públicos na área da educação e da saúde. A Campanha Nacional de Alfabetização logrou a construção de 350 novas escolas e o aumento da taxa de alfabetização em mais de 60%.
Na área da saúde, Sankara implementou um dos maiores programas de imunização do continente africano, vacinando mais de 2,5 milhões de crianças burquinesas contra a meningite, poliomielite, sarampo e febre amarela. A campanha elevou a taxa média de imunização das crianças de 5% para 80%, permitindo o controle de epidemias e liberando recursos para a reestruturação do sistema de saúde. O sucesso da iniciativa surpreendeu os órgãos sanitários internacionais, que passaram a replicar a experiência burquinesa em outros países de baixa renda.
Buscando blindar sua nação contra a interferência dos organismos internacionais, Sankara reduziu ao máximo a dívida externa de Burquina Fasso, passou a recusar as ofertas de ajuda das potências ocidentais e retirou o país do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. A fim de estimular a economia, melhorar a infraestrutura e reduzir o déficit habitacional, o líder criou um programa de construção de moradias populares, estradas e ferrovias.
Foram instalados mais de 700 quilômetros de linhas ferroviárias, facilitando o transporte de manganês e outros recursos minerais. Uma ampla rede rodoviária também foi construída, conectando todas as regiões do país. No campo das relações externas, Sankara se aproximou das nações socialistas, estabelecendo acordos de cooperação com Líbia, Cuba e União Soviética, ao mesmo tempo em que criticou o apoio dos Estados Unidos, da França e de Israel ao regime segregacionista do apartheid. Também buscou consolidar uma agenda pan-africana, malgrado a persistência de atritos com as nações vizinhas — nomeadamente o Mali, com quem Burquina Fasso travou a Guerra da Faixa de Agacher em 1985.
Sankara coordenou uma das mais importantes iniciativas de reflorestamento e combate à desertificação do Sahel, plantando mais de 10 milhões de árvores. Também promulgou leis contra as queimadas e o desmatamento e propôs a criação de cinturões de vegetação atravessando o país. A preservação ambiental foi obtida em paralelo com o incremento da produção agrícola, sobretudo de cereais.
Em 1987, a ONU reconheceu Burquina Fasso como “país autossuficiente em produção de alimentos”.
Sua gestão foi igualmente revolucionária na pauta da igualdade de gênero. Sankara proibiu a mutilação genital feminina, baniu os casamentos forçados e a poligamia. Nomeou diversas mulheres para cargos no alto escalão do governo e criou campanhas para incentivá-las a estudar e trabalhar, além de implementar benefícios para as gestantes.
Conspiração golpista e o assassinato do revolucionário
Os programas sociais e reformas políticas implementadas por Thomas Sankara possibilitaram uma redução sem precedentes da miséria e da fome em Burquina Fasso, garantindo imensa popularidade e o apoio irrestrito das camadas mais pobres da população.
Não obstante, seu governo também sofreu enorme pressão externa, sendo submetido ao isolamento diplomático e às sanções econômicas implementadas pelos Estados Unidos. Internamente, Sankara teve de lidar com a oposição raivosa das elites burquinesas, abrangendo desde grandes latifundiários, indignados com a expropriação de suas terras, até os chefes locais, descontentes com a perda de antigos privilégios, como a arrecadação de tributos e o trabalho forçado.
As forças oposicionistas passaram a fomentar cada vez mais a sublevação, gerando um ambiente de instabilidade e conflitos internos. A conspiração golpista logo obteve respaldo dos serviços secretos da França e dos Estados Unidos e o apoio da Costa do Marfim e dos setores reacionários das Forças Armadas burquinesas.
Em 15 de outubro de 1987, Thomas Sankara foi deposto e assassinado junto com 12 pessoas ligadas ao seu governo. O golpe foi organizado por seu antigo aliado, Blaise Compaoré, que assumiu a Presidência em seguida.
A morte de Sankara encerrou o ciclo de conquistas iniciado em 1983. Compaoré tratou de restaurar o poder das oligarquias, reverteu as nacionalizações, reintegrou Burquina Fasso ao FMI e Banco Mundial e desmontou quase todos os programas sociais implementados após a revolução.
O país se converteu em uma ditadura que se prolongou por quase 30 anos e assistiu inerte ao retorno da fome, miséria e das epidemias.