Esquema fraudulento envolvendo identidade falsa durou 27 anos e só foi descoberto após denúncia anônima
Uma fraude complexa e persistente nas Forças Armadas do Brasil expôs como uma mulher que nunca existiu recebeu cerca de R$ 6 milhões em pensões militares ao longo de 27 anos. A revelação faz parte da série de reportagens "Pensões Camufladas", de Tácio Lorran, do Metrópoles, que investiga esquemas de desvio de recursos públicos nas Forças Armadas. O Ministério Público Militar (MPM) classificou o caso como uma "lúgubre trama" que envolveu falsificação de documentos e conluio familiar.
A protagonista da história é Vaubaniza Rodrigues Viana, uma mulher-fantasma que tinha CPF, identidade e até endereço registrados. Criada artificialmente pela professora Marlene Rebouças Viana, de 73 anos, Vaubaniza foi apresentada como filha de um ex-primeiro-tenente da Marinha falecido em 1981. A professora conseguiu registrar a falsa filha em um cartório no Rio de Janeiro e a incluiu na folha de pagamento de pensões militares.
De acordo com a sentença do Superior Tribunal Militar (STM), Marlene recebeu mensalmente o benefício de forma fraudulenta de janeiro de 1994 até junho de 2021. Para garantir a continuidade dos pagamentos, ela realizava provas de vida anuais e sacava os valores usando cartão bancário e a digital registrada no sistema.
Trama familiar e documentos forjados - Segundo a investigação, a fraude começou antes mesmo da morte do ex-primeiro-tenente da Marinha, que teria planejado a documentação para garantir que a falsa neta recebesse a pensão após seu falecimento. Marlene contou com o apoio do sogro, do marido e de um militar para executar o golpe.
A trama foi descoberta apenas em 2021, após uma denúncia anônima recebida pela Marinha. A partir daí, o MPM iniciou uma investigação detalhada, desvendando uma série de irregularidades que mantiveram o esquema funcionando por quase três décadas.
Condenação e cobrança judicial - Em novembro de 2023, Marlene foi condenada pelo STM a dois anos e oito meses de prisão por estelionato contra a administração pública. O tribunal considerou que a professora agiu com “vontade consciente” ao manter a fraude ativa por tanto tempo. “O silêncio malicioso prolongou-se no tempo sem qualquer intenção de cessação”, escreveu a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, presidente do STM.
Atualmente, a Advocacia-Geral da União (AGU) tenta reaver os R$ 6 milhões pagos indevidamente. Em depoimento, Marlene afirmou que gostaria de ressarcir a União, mas alegou não ter recursos para fazê-lo, argumentando que a pensão era sua principal fonte de sustento desde 1983.