Autossuficiência em petróleo, dependência de derivados: a contradição energética do Brasil



Esmael Morais

O Brasil é hoje autossuficiente na produção de petróleo bruto, graças ao pré‑sal e ao avanço tecnológico da Petrobras. Mas se a autossuficiência fosse a lacuna que faltava, por que o país segue importando gasolina, diesel e GLP? A resposta está no abismo entre a extração e o refino — e nas decisões políticas dos últimos governos.

A contradição estratégica

Desde 1997, com a Lei do Petróleo, a Petrobras perdeu o monopólio legal, mas manteve o controle de fato sobre o refino, responsável por cerca de 98 % da capacidade do país. Entre 2015 e 2022, sob pressão financeira e compromisso com dívidas e dividendos, a empresa vendeu ativos por R$ 243,7 bilhões, incluindo refinarias essenciais como RLAM, Reman, RPCC e SIX. As privatizações de refinarias, especialmente nos governos Temer e Bolsonaro, sucatearam e reduziram o parque refinador nacional — como alertaram os próprios trabalhadores da empresa durante a greve nacional dos petroleiros, em defesa da soberania energética.

O refino desfigurado e a dependência externa

Esta reestruturação deixou o país exportando petróleo bruto e importando derivados cada vez mais caros e voláteis, como diesel, gasolina e gás de cozinha. O modelo de Preço de Paridade de Importação (PPI) adotado pela Petrobras durante o bolsonarismo agravou esse desequilíbrio: atrela o custo nacional ao mercado internacional, como se o Brasil não produzisse o que consome. Assim, o brasileiro paga o combustível em dólar, mesmo vivendo num país produtor. É o paradoxo de um país rico que impõe ao seu povo a lógica do empobrecimento energético.

Com refinarias desativadas ou entregues ao capital privado, a capacidade nacional de refino foi desfigurada. A Refinaria Abreu e Lima (Rnest), por exemplo, ficou anos sob bombardeio político, ora acusada de ser antieconômica, ora oferecida ao mercado a preço de banana. A explosão recente em uma de suas unidades, apontada por petroleiros como reflexo direto da precarização da gestão, evidencia os riscos de desmontar um ativo estratégico. (Leia mais)

Retomada urgente: Rnest e recomposição do parque

A decisão do governo Lula de retomar o controle da Abreu e Lima marca um ponto de inflexão. A refinaria, localizada em Pernambuco, foi projetada para reduzir a dependência de diesel importado e abastecer o mercado interno com combustíveis mais baratos e menos poluentes. Sua conclusão e ampliação fazem parte da estratégia de reindustrialização do parque de refino — suspensa por anos por conta do desmonte neoliberal.

Enquanto isso, o STF ainda discute a legalidade das vendas de refinarias sem autorização legislativa, e o Congresso lançou uma frente parlamentar contra a privatização da Petrobras há seis anos. Há uma disputa institucional em curso, e ela define se o país voltará a ter controle sobre seus combustíveis — ou seguirá refém da especulação global.

Consequências para a sociedade e o eleitor

O impacto direto dessa política é sentido diariamente no bolso do povo. A alta do diesel e da gasolina pressiona o preço dos alimentos, do transporte coletivo, das entregas, do gás de cozinha. Quando o petróleo sobe lá fora — como no caso do fechamento do Estreito de Ormuz — o reflexo aqui é imediato, mesmo que o Brasil tenha petróleo sobrando.

Se o parque de refino estivesse operando plenamente, o país poderia isolar seus preços internos das oscilações externas, garantindo estabilidade, previsibilidade e acesso digno à energia. Mas sem refinarias, o Brasil vira refém de multinacionais e bancos de investimento que operam no mercado global de petróleo.

Projeção: soberania energética em jogo

A reconstrução do parque refinador nacional é condição inegociável para recuperar a soberania energética do Brasil. Isso implica reverter privatizações ilegais, finalizar obras paralisadas e fortalecer a Petrobras como empresa pública e estratégica. A produção interna de petróleo precisa ser transformada em segurança energética — e não em lucro especulativo para acionistas internacionais.

Mais do que um debate técnico, essa é uma decisão política. O que está em jogo não é apenas o preço na bomba, mas o direito de o povo brasileiro determinar seu próprio futuro energético.