Julinho Bittencourt
O vocalista Mao, integrante da formação original da banda punk Garotos Podres, afirmou ao g1 nesta semana, que o grupo foi alvo de um inquérito policial após uma denúncia relacionada ao repertório apresentado em um show. Segundo o músico, a Polícia Civil analisou gravações da apresentação e letras de canções, entre elas Papai Noel Velho Batuta, lançada em 1985 e considerada um dos maiores sucessos da banda.
Durante uma apresentação da banda, o vocalista contou que o baterista foi perguntado pela delegada durante o inquérito qual a razão da ofensa a Papai Noel. O baterista, então, respondeu: “Papai Noel não existe.”
Veja abaixo:
Mao enviou trechos do inquérito à reportagem, mas não revelou o estado nem a unidade policial responsável pelo caso. De acordo com ele, a decisão foi tomada por orientação jurídica, para evitar dar visibilidade a grupos extremistas responsáveis pela denúncia e expor autoridades envolvidas na investigação.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou ao g1 que “um dos integrantes da banda mencionada foi ouvido em Termo de Declarações pelo Setor de Cartas Precatórias da Seccional de São Bernardo do Campo sobre um caso de racismo que é investigado pela Polícia Civil do estado da Paraíba”.
A música Papai Noel Velho Batuta, que completa 40 anos em 2025, segue presente no repertório da banda. Escrita e aprovada durante a ditadura militar no Brasil, a letra traz versos de forte tom crítico ao sistema capitalista. Segundo o inquérito, porém, a canção “incentiva a violência contra pessoas de bem” e representaria, de forma subliminar, a “cultura da violência”.
Ainda de acordo com os integrantes da banda, autoridades teriam argumentado que o Papai Noel é uma figura cristã, de grande apelo popular e religioso no país. Para o grupo, no entanto, o personagem é usado como metáfora do capitalismo e da desigualdade social, e a música se insere no contexto histórico e político do punk rock dos anos 1980.
A denúncia teria sido registrada no primeiro semestre de 2025, após a realização de um show. Segundo Mao, o empresário responsável pela contratação da apresentação foi intimado a comparecer a uma delegacia e, posteriormente, os integrantes da banda foram contatados e interrogados de forma remota.
O vocalista afirma que a delegada responsável chegou a instaurar um inquérito com “dezenas de páginas”, analisando não apenas as letras das músicas, mas também as falas feitas entre uma canção e outra durante o show. Por meio de carta precatória, Mao foi ouvido no último dia 28 de novembro em uma delegacia seccional do ABC Paulista.
Tentativa de censura
Para o músico, que é professor de história aposentado, o caso configura uma tentativa de censura. Ele compara a situação a práticas adotadas durante a ditadura militar, quando artistas eram monitorados por órgãos de repressão.
“É um processo político no sentido de polícia política. Analisar letra de música, questionar canções, é algo absurdo”, afirmou.
Mao disse ter ficado surpreso com o teor da investigação e classificou a denúncia como caluniosa. Ele lembrou que a banda surgiu no final da ditadura e teve suas músicas avaliadas pelo Departamento de Censura da Polícia Federal na época.
“Quando foi lançada, Papai Noel Velho Batuta foi aprovada, enquanto outras músicas foram barradas. Em todos esses anos, eu nunca vi uma coisa dessas”, declarou.
No início de dezembro, os Garotos Podres publicaram uma animação satirizando a investigação, com o objetivo de chamar atenção para o caso. Segundo Mao, o uso do humor foi intencional.
“Às vezes, denunciar com humor é interessante. A música já nasce como denúncia, mas bem-humorada”, disse.
O inquérito foi concluído recentemente, segundo o vocalista, e agora o grupo aguarda a decisão do Ministério Público, que pode optar pelo arquivamento do caso ou pelo oferecimento de denúncia.
Como resposta ao episódio, a banda também produziu um novo clipe animado de Papai Noel Velho Batuta. Na nova versão, figuras extremistas da atualidade — inexistentes no cenário político dos anos 1980 — passam a integrar a narrativa. Personagens como Donald Trump e o “Zombilavo de Carvalho” aparecem na animação, reforçando o caráter satírico e crítico da obra lançada originalmente em 1985.
