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sexta-feira, 16 de junho de 2023

Por que revogar o 'novo' ensino médio

Por Frei Betto, em seu site :

Foto Divulgação
Os primeiros meses do governo Lula mostram como será difícil reconstruir o Brasil. A frente ampla em defesa da democracia para vencer a eleição expressa limites para o avanço em políticas que apontam para um futuro estruturalmente melhor para a população, em especial os mais pobres.

Na educação, o exemplo é o Ensino Médio, cuja reformulação e implementação teve origem no governo Temer. O golpe parlamentar contra a presidente Dilma legou ao país uma profunda crise política em que ainda estamos enrascados e, no bojo, as heranças malditas do teto de gastos, da liberalização da terceirização, da precarização das relações de trabalho e do chamado “novo Ensino Médio ”. O golpe visou fazer avançar são contrarreformas de nítido sentido neoliberal e antipopular.

Desinteresse em relação às disciplinas e currículos, elevada evasão de alunos, necessidade de conexão entre teoria e prática e com o mundo do trabalho. São fatores importantes que condicionaram a avaliação constante e eventual reformulação do Ensino Médio. O governo Dilma já debate mudanças nesta etapa da educação, que representam os anos finais da escolarização da juventude.

O projeto de lei 6.840, de 2013, esboçava mudanças pretendidas pelo governo em relação ao Ensino Médio. Era avaliado criticamente por entidades de professores e estudantes, inclusive ao propor elementos de organização curricular que depois seriam retomados pelo “novo Ensino Médio”, como a redução das disciplinas comuns e oferta de temas de livre escolha.

O golpe de 2016, entretanto, interrompeu este processo de diálogo. Através da Medida Provisória 746/2016 e, posteriormente, da Lei 13.415/2017, o governo Temer impôs o “novo Ensino Médio”, que alterou a Base Nacional Comum Curricular e seu suporte pedagógico legal, depois aprovou no governo Bolsonaro.

Como se deu a aprovação? Alterou-se a composição do Conselho Nacional de Educação, com a nomeação de conselheiros ligados às fundações e institutos empresariais, defensores das orientações do Banco Mundial para a educação.

A Base Nacional Comum Curricular, portadora dos conceitos neoliberais de empreendedorismo e meritocracia, engessa o currículo escolar do Ensino Médio. Conteúdos de Matemática e Língua Portuguesa passam a ser oferecidos quase no limite de um ensino para domínio instrumental dessas disciplinas, essenciais para a formação plena do estudante.

O que Temer e o Congresso Nacional im colocado significou a precarização do currículo escolar e comprometeu a formação dos estudantes, ao reduzir a carga horária da Formação Geral Básica (Português, Matemática, História, Geografia, Ciências, Artes, Filosofia, Sociologia) no segundo e terceiro anos do Ensino Médio. E ampliou para 40% da carga horária, nesses anos, a parte combinada do currículo, ao inserir os chamados “itinerários formativos”, em supostamente que os estudantes poderiam escolher o que estudar.

Há uma dificuldade entre a propaganda de que os estudantes seriam protagonistas de sua carreira escolar e a realidade do “novo ensino médio”, que prescreveram habilidades e competências sócio-comportamentais necessárias à sobrevivência desses jovens no mundo do trabalho: capacidade de adaptação e resiliência em um de competição e instabilidade. São “habilidades” para uma sociedade baseada na “viração”, na esperteza, o que os defensores da educação neoliberal chamam de “empreendedorismo”. Trata-se de educar para adequar-se ao mercado de trabalho precarizado e ao conformismo como ausência de alternativa.

A implementação do “novo Ensino Médio” ao longo dos últimos dois anos e sob responsabilidade das secretarias estaduais de educação, evidenciou mais problemas, como a precariedade da infraestrutura das escolas públicas – em que estudam cerca de 88% dos quase 8 milhões de estudantes matriculados no Ensino Médio no Brasil –, e falta de professores. Somam-se a este grave problema maus contratos, muitas contratações temporárias, além de ausência de formação adequada e pouco tempo para preparação de aulas. Todos esses fatos revelam a inadequação desta proposta para a realidade dos estudantes, que passaram a se mobilizar pela revogação.

O “currículo em migalhas” não atende às necessidades e interesses dos alunos, notadamente dos filhos e filhas da classe trabalhadora que estão nas escolas públicas, e não os prepara para a continuidade dos estudos em nível superior ou escolas técnicas, se assim desejarem. Nem para que possam ingressar dignamente no mundo do trabalho, forçando-os à exclusão das esferas de decisão nas empresas, instituições e órgãos do poder público, e à permanência em funções subalternas e mal remuneradas.

O ensino médio neoliberal ampliou o abismo que já existia entre as escolas públicas e as melhores escolas privadas, reforçando o fato de haver no Brasil uma escola “pobre” para os pobres, e escolas de qualidade para os ricos, o que aprofunda o apartheid social .

A bandeira do “Revoga já!” em relação à contrarreforma neoliberal do Ensino Médio tem potencial para expor a raiz do problema educacional no Brasil: a desigualdade nas condições de ensino-aprendizagem entre as escolas públicas e privadas. E mesmo entre escolas privadas de elite nos grandes centros urbanos e localizadas no interior do Brasil e nos bairros de classe média nas grandes cidades. É a reprodução ampliada dessa desigualdade.

Ao mesmo tempo, condiciona o horizonte de possibilidades dos jovens (ricos e pobres) ao fatalismo do “fim da história”, ou seja, que o futuro do Brasil não comporta desenvolvimento social e econômico que nos faça superar a dependência e as heranças neocoloniais do subdesenvolvimento: pobreza estrutural, concentração da propriedade da terra (rural e urbana), elevada inserção informal, precária e sem proteção social no mercado de trabalho.

Revogar o ensino médio neoliberal é necessário para reconstruir o Brasil. A educação básica e, em especial, a etapa final do seu percurso formativo, que é o Ensino Médio, precisa ser reembolsada a partir de um processo amplo e democrático participativo que reúna alunos secundaristas e suas organizações, professoras e professores e suas representações sindicais, e especialistas em educação comprometidos com um projeto popular para o país.

Se queremos uma educação que viabilize a democratização e a desmercantilização da vida, há que construa uma reforma educacional humanista e crítica inspirada na educação libertadora de Paulo Freire.

* Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros.

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