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sábado, 22 de junho de 2024

Governo de Santa Catarina afasta professora por “militância política”, após aula sobre fake news

“A minha acusação é que eu usei de exemplo o governador Jorginho Mello como alguém que propaga fake news sobre a mudança climática”, contou a professora em entrevista exclusiva ao GGN

Por Ana Gabriela Sales

A professora Carolina M. Puerto, dava aula de Filosofia aos seus alunos do Ensino Médio, na Escola de Educação Básica (EEB) Simão José Hess, no dia 28 de maio, quando foi surpreendida por funcionários da Coordenadoria Regional de Educação de Florianópolis (CRE) com uma denúncia sobre suas atividades. Menos de um mês depois, foi publicada na edição do Diário Oficial de 17 de junho a instrução de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra a docente, afastada de suas funções por 60 dias sob acusação de “militância política”. Esse é mais um dos casos de perseguição contra educadores no Sul do país e Puerto fala com exclusividade ao GGN sobre a censura.

Naquela reunião com a CRE, em visita à própria escola, a professora insistiu sobre os motivos da suposta infração e foi informada que o episódio em questão se tratava de uma aula ministrada sobre desinformação, clandestinamente gravada. “A minha acusação é de que eu usei como exemplo o governador Jorginho Mello (PL) como alguém que propaga Fake News sobre mudança climática. Esse era o contexto”, conta Puerto.

“Fui chamada na sala e levada para uma reunião na minha escola, com três pessoas da Coordenadoria. (…) Foi uma reunião bastante longa e no início tensa. Nela, eu fui informada de que tinha uma denúncia, sobre alguma coisa que eu teria falado em aula sobre o governador. Questionei no primeiro momento a denúncia anônima, feito a partir de uma gravação ilegal, e demoraram para dar uma explicação. Não tive acesso ao áudio [da gravação ilegal] e não queriam nem me dizer do que se tratava, mas em determinado momento me falaram: ‘a tua acusação é conteúdos políticos partidários’”, relata. “Agora, no PAD a justificativa é de militância política em sala de aula”, acrescenta a professora.

Carolina Puerto explica que a aula ocorria em meio à tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul: “A mudança climática é o nosso maior problema atualmente e eu levei essa questão para pensar em aula”. “Infelizmente, o governador costuma compartilhar Fake News, isso é sabido. No mês da tragédia, ele compartilhou várias notícias falsas e há provas disso. Eu sempre trabalho a partir do método Socrático, com perguntas e, em algum momento, eu dei como exemplo políticos que usam as Fake News inclusive para se elegerem, e o governador de Santa Catarina usou Fake News sobre esse assunto e isso é muito grave.”

Conforme publicação do Diário Oficial, a Corregedoria afastou a docente por 60 dias das salas de aulas, enquanto investiga o caso. Nesse período, a professora apresentará também a sua defesa e afirma que sua luta é para que a decisão possa ser suspensa. “Fui afastada com remuneração, mas se essa investigação se prolongar pode ser que isso mude. Eles vão formar uma Comissão para me julgar, que deveria ser paritária, ou seja, deve ter membros da própria escola e nós vamos ter que lutar, porque em geral a Secretaria [de Educação] não quer fazer isso [garantir a paridade]. No final, eles dizem se eu vou ser exonerada ou não”, afirma.

A reportagem questionou a Secretária de Estado da Educação, encabeçada pelo professor Aristides Cimadon, sobre o caso de Puerto, inclusive a respeito da gravação ilegal. O órgão, no entanto, limitou-se a responder por meio de nota que foi “instruído PAD para apurar a conduta da professora durante aula” e que a “profissional foi afastada das funções”.

“Estou muito indignada. A sensação de não poder pisar na escola, a sensação de não ter acesso aos estudantes. Embora eu tenha acompanhado algumas pessoas em casos de assédio e intimidação, é muito sofrido. A opressão é muito difícil e agora eu tenho que me defender”, desabafa Carolina.

Lei da mordaça na prática

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) impôs uma série de derrotas a normativas baseadas no programa “Escola Sem Partido”, que na prática institucionaliza a perseguição a professores.

Contudo, logo ao assumir o governo de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL) sancionou uma legislação conhecida como “Lei da Mordaça”, elaborada pela deputada estadual de extrema-direita Ana Campagnolo (PL), que instrui as crianças sobre “atitudes a serem tomadas no caso de violação dos direitos” e “ao tratar de questões políticas, sociais, culturais, históricas e econômicas, o professor apresentará aos estudantes, de forma equitativa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito”.

É por meio dessa medida que o governo catarinense tem silenciado professores, como Puerto, que não é um caso isolado no Estado. Contudo, a legislação brasileira sobre proteção de dados e de direitos autorais assegura proteção a casos como o da professora, considerando ilegal qualquer gravação feita por um terceiro sem autorização.

Segundo a docente, a própria CRE reconhece que a prova fornecida para denúncia é “ilegal”. “Eles assumiram que a gravação é ilegal, assumiram que a gravação não pode ser usada como prova e está tudo registrado. Inclusive, eles orientam que a escola faça um trabalho de reflexão e de divulgação da Lei de Proteção de Dados”, revela.

Atuação em defesa da educação

O caso de Carolina M. Puerto guarda ainda outras proporções, uma vez que ela ocupa a Diretoria de organização da Regional de Florianópolis do Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado de SC (SINTE/SC), que coordenou a greve do magistério de Santa Catarina.

Naquela ocasião, com as grandes proporções dos atos, o governador despachou uma carta às escolas com ameaças de demissões. “Nós estávamos à frente da greve, no sentido que a Regional Floripa teve uma expressão maior durante o movimento por várias razões, principalmente por ser na capital. Mas nós saímos da greve em uma situação muito difícil. Eu nunca tinha visto um governador assediar por meio de um documento, inconstitucional, em que ele registrou ameaças de demissão”, conta.

Puerto enxerga relação do episódio com a rapidez em que se deu o seu processo de afastamento e a justificativa de “militância política” para instauração do PAD. “Ao mesmo tempo, porque eu sou só mais uma professora, mas entendo que é um recado muito claro”, diz.

Ainda assim, a professora ressalta que este não é um problema individual: “É uma questão coletiva, porque Santa Catarina é um lugar que tem uma série de casos como o meu. Não gosto da exposição individual, eu entendo como uma questão coletiva.”

Mobilização

Consternados com a situação de Carolina, os docentes da EEB Simão José Hess publicaram uma carta aberta à comunidade escolar, manifestando “apoio irrestrito” à professora, inclusive salientando que o trabalho com conteúdo sobre desinformação é “orientado pelos cadernos curriculares do território catarinense a respeito do Novo Ensino Médio”.

“Estou recebendo um apoio que eu não tenho direito de não encarar isso da melhor maneira possível. Todo o apoio é fundamental, mas, sem dúvidas, o que mais me emociona e fortalece é o apoio que eu tenho recebido dos estudantes”, relata Puerto.

Na próxima terça-feira (25), colegas da docente irão se reunir em um ato, em frente à sede da Secretaria de Estado da Educação, em Florianópolis, a partir das 13h.

“O ato é em defesa da liberdade, contra a perseguição de trabalhadores da educação e para que o processo seja suspenso e que eu retorne ao meu trabalho. Vamos estar lá pelo meu retorno, mas também porque não podemos mais aceitar esse tipo de perseguição absurda, que tem levado não só ao afastamento, mas ao adoecimento de professores”, completa Puerto.

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