Lula não vai sancionar projeto que aumenta número de deputados

A proposta aprovada pelo Congresso Nacional enfrenta forte rejeição da população e criou um novo ponto de tensão entre o Palácio do Planalto e o Legislativo


Julinho Bittencourt

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve evitar sancionar o projeto de lei complementar que aumenta de 513 para 531 o número de deputados federais no país. A proposta, aprovada pelo Congresso Nacional na semana passada, enfrenta forte rejeição da população e criou um novo ponto de tensão entre o Palácio do Planalto e o Legislativo.

Segundo interlocutores do governo e parlamentares da base aliada, Lula tem até o próximo dia 16 para decidir se sanciona ou veta a medida, mas a tendência atual é de que ele opte por não se manifestar, permitindo que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), promulgue a lei. Essa estratégia evitaria o envolvimento direto do Executivo em um tema impopular e permitiria ao governo se descolar da proposta, que é de iniciativa do próprio.

Pressão popular e cálculo político

De acordo com pesquisa Datafolha divulgada no dia 17 de junho, 76% da população é contra o aumento do número de deputados. Apenas 20% se dizem favoráveis. O impacto orçamentário da criação das novas 18 cadeiras na Câmara dos Deputados é estimado por parlamentares em cerca de R$ 65 milhões por ano, incluindo salários, benefícios e estrutura para os novos congressistas.

Aliados de Lula argumentam que sancionar o texto pode prejudicar ainda mais a imagem do governo num momento em que o presidente enfrenta baixa popularidade e cobra austeridade fiscal. O temor é que a sanção seja interpretada como contradição com o discurso do Planalto de contenção de despesas e combate às desigualdades sociais.

Divisões internas e embate com o Legislativo

Apesar de recomendações pelo veto — que sinalizaria insatisfação do Planalto com o Congresso, especialmente após a derrubada do decreto do IOF —, há auxiliares que alertam para o risco de aprofundamento do conflito institucional. A derrubada da norma sobre o IOF, articulada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), provocou reação do governo, que acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a decisão.

Durante agenda na Bahia nesta quarta-feira (2), Lula criticou a postura de Motta e disse que houve quebra de acordo. “O erro, na minha opinião, foi o descumprimento de um acordo, que tinha sido feito no domingo [8 de junho] à meia-noite na casa do presidente Hugo Motta. Lá estavam vários ministros, deputados, o ministro [Fernando] Haddad com sua equipe e, quando chega na terça-feira, o presidente da Câmara tomou uma decisão que eu considerei absurda”, afirmou o presidente.

A origem do projeto e os interesses em jogo

A proposta de ampliação das cadeiras na Câmara surgiu como resposta à decisão do STF que determinou a adequação da representação proporcional dos estados de acordo com os dados do Censo 2022. Em vez de redistribuir os atuais 513 assentos, o que levaria alguns estados a perderem parlamentares, a Câmara optou por criar 18 novas vagas, evitando cortes nas bancadas estaduais.

Entre os estados que serão beneficiados com mais cadeiras estão Pará e Santa Catarina (quatro vagas cada), Amazonas, Mato Grosso e Rio Grande do Norte (duas cada) e Goiás, Ceará, Paraná e Minas Gerais (uma cada). O arranjo preserva, por exemplo, a bancada da Paraíba, estado de origem de Hugo Motta, que poderia perder uma vaga na redistribuição.

Apesar da resistência, há setores do governo que defendem que Lula sancione a proposta como gesto político a Motta, um dos principais articuladores da medida. Segundo um vice-líder do governo, isso mostraria disposição de diálogo e atenderia a uma demanda considerada estratégica para o presidente da Câmara.

Nos bastidores, no entanto, prevalece a avaliação de que o melhor caminho para o Planalto é a omissão deliberada. Com isso, o desgaste político recairia sobre o Congresso, e o governo evitaria assumir o ônus de uma medida impopular. A decisão final, no entanto, deve levar em conta o clima político nas próximas semanas.