‘Quem mandou dar zero?’: alunos usam avaliação criada em SP para ameaçar professores

Professores contam que não são informados sobre perguntas feitas a alunos no questionário criado pelo governo Tarcísio


Por Isabela Palhares

(Folhapress) — Dezenas de vídeos têm viralizado nas redes sociais com alunos dando nota zero para os professores em uma avaliação criada pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). Nas postagens, os estudantes dizem que estão se vingando dos docentes.

Em maio deste ano, o secretário de Educação, Renato Feder, publicou resolução que instituiu uma avaliação do desempenho dos professores, coordenadores e diretores das escolas. Nesse processo, os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio passaram a ser um dos avaliadores.

O sistema da rede estadual com o questionário de avaliação foi aberto aos alunos na última semana. Desde então, dezenas de vídeos mostram os alunos debochando por dar notas ruins aos docentes.

“Hoje teve avaliação de professores na minha escola e eu pude me vingar de todos”, diz uma aluna.

Em outro, um aluno grava a tela do computador, onde é possível ver que ele atribuiu nota zero a todos os professores. “Agora na minha escola estão mandando dar nota pra professor. Vai tudo tomar zero. Quem mandou dar zero pra mim? Agora vai tudo perder o serviço”, diz o jovem.

Procurada, a Secretaria de Educação não quis comentar.

Avaliação do professor

Segundo a resolução, as notas dos alunos vão compor uma “avaliação de desempenho diagnóstica” de cada profissional de ensino. O texto diz que esse é um instrumento com “finalidade formativa” com o objetivo de orientá-lo em sala de aula.

O texto diz ainda que essa avaliação final, que conta ainda com outros critérios, como avaliação dos diretores, assiduidade, participação em formações e alcance de metas, pode ser usada para decidir sobre a continuidade do professor na escola em que atua ou em programas e projetos específicos.

Assim, caso o desempenho não seja considerado satisfatório, os profissionais podem ser realocados para outras unidades.

À Folha de S. Paulo, docentes contaram que alguns alunos têm usado a avaliação para ameaçá-los. Eles dizem que irão se vingar caso recebam notas baixas em provas.

Ameaças e deboches

Uma professora de Português contou que chamou a atenção de duas alunas que estavam usando o celular em sala de aula, o que é proibido por lei nacional e estadual. As jovens então ameaçaram dar nota ruim para ela.

A docente atua há 20 anos na rede estadual e disse estar se sentindo desrespeitada e desamparada. Ela pediu para não ser identificada por medo de represália.

Os professores contam ainda que sequer são informados sobre as perguntas feitas aos alunos. Pela resolução, os questionários avaliativos consideram 11 dimensões relacionadas às competências esperadas.

Entre elas estão, por exemplo, domínio do conteúdo ensinado, se usam metodologia dinâmica e inovadora, gestão de sala de aula, comunicação clara e objetiva e dedicação ao processo de aprendizagem.

Para Márcia Jacomini, professora do Departamento de Educação da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os alunos utilizam a avaliação para ameaçar e humilhar os docentes porque percebem a falta de autonomia e proteção aos profissionais.

“O governo primeiro exigiu que os professores seguissem o conteúdo e a forma definidos pela secretaria para ensinar aos alunos, sob o risco de serem punidos caso se negassem. O professor perdeu a autonomia de elaborar a aula, de decidir como ensinar e os alunos perceberam isso. Agora, colocam esse aluno para avaliar o professor”, diz.

Ela avalia ainda que há um desvirtuamento do significado de avaliação, já que não houve um diálogo com os alunos sobre o processo.

“Os alunos podem e devem ser ouvidos para uma avaliação da escola e dos professores, mas isso não deveria ser feito por meio de nota. Mas, sim, com escuta. Nesse formato, o governo abre espaço para o aluno pensar que pode se vingar, que pode ameaçar o professor.”