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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

‘Interferência externa’; Abin coloca Big techs como ameaças contra soberania do Brasil


Documento aponta riscos ligados a big techs, eleições de 2026, guerra cognitiva e pressões geopolíticas sobre a Amazônia

Cleber Lourenço

A nova edição do relatório “Desafios de Inteligência – 2026”, produzida pela Abin, descreveu um cenário em que a interferência externa deixou de ser excepcional e passou a operar como elemento estrutural da disputa geopolítica. Em diversos trechos, a agência afirma que essa influência ocorre de maneira contínua e em múltiplas frentes, sobretudo no ambiente digital, nas cadeias econômicas, na disputa por recursos estratégicos e no ciclo eleitoral.

Um dos alertas mais diretos registrados pelo documento aparece na seção dedicada às eleições: “A possibilidade de interferência externa no processo eleitoral brasileiro é fator de risco que não pode ser subestimado”.

O relatório sustenta que Estados, empresas de tecnologia e atores transnacionais passaram a moldar processos políticos, econômicos e informacionais brasileiros sem a necessidade de ações clássicas de ingerência. A estratégia envolve algoritmos, plataformas digitais, infraestrutura de comunicação privada, pressão econômica e disputa narrativa – um conjunto que produz, segundo a Abin, vulnerabilidades capazes de afetar decisões internas do país.

Big techs e soberania digital

O relatório aprofunda o diagnóstico sobre a capacidade de interferência de empresas tecnológicas ao afirmar que “a centralização de dados sensíveis em infraestrutura privada estrangeira representa risco estratégico para o Estado brasileiro, especialmente quando tais infraestruturas estão sujeitas a legislações de outros países que podem exigir o acesso ou compartilhamento dessas informações.”

Outro trecho reforça o alerta ao afirmar que “a assimetria entre Estados e plataformas digitais cria cenário em que decisões públicas podem ser condicionadas por critérios técnicos e comerciais alheios ao interesse nacional.”

Integrantes da agência ouvidos em caráter reservado afirmam que a preocupação maior está no fato de que o Brasil não possui instrumentos suficientes de auditoria, verificação ou contenção sobre operações que acontecem fora de seu território, mas que impactam milhões de brasileiros diariamente. Um deles sintetizou a preocupação dizendo que “a soberania informacional hoje depende de estruturas que não controlamos, operadas por atores que não respondem ao Estado brasileiro.”

O relatório reforça que essa influência tecnológica tem natureza política. A Abin afirma que “a dependência de infraestruturas digitais estrangeiras cria vulnerabilidades que podem ser exploradas para fins de pressão econômica ou política sobre o Estado brasileiro.” Integrantes da agência afirmam que a maior preocupação está na incapacidade do Brasil de auditar ou controlar fluxos informacionais operados fora do país, o que, segundo um deles, “compromete a soberania informacional e amplia o espaço para interferências externas.”, o que dificulta respostas estatais e potencializa riscos de manipulação externa.

O relatório descreve as big techs como atores com peso político global, capazes de modular debates públicos e condicionar decisões estatais. A agência também chama atenção para a guerra cognitiva — o uso de desinformação, saturação informacional e algoritmos para dividir sociedades e tensionar instituições. A Abin observa que essa estratégia já é utilizada por grandes potências e pode ser aplicada de fora para dentro, explorando tensões internas existentes.


Eleições de 2026: risco ampliado

O relatório inclui um diagnóstico minucioso sobre o impacto de operações estrangeiras em democracias emergentes, afirmando que “a combinação de ambientes digitais não regulados, plataformas transnacionais e ferramentas de inteligência artificial cria condições inéditas para manipulação de percepção pública em larga escala.”

Outro trecho destaca que “a crescente disponibilidade de modelos generativos de IA reduz barreiras para criação de conteúdos falsificados com alto grau de verossimilhança, dificultando a resposta institucional e ampliando riscos de instabilidade eleitoral.”

Integrantes da Abin ouvidos pela reportagem afirmam que parte das campanhas de desinformação recentes identificadas na região já opera com coordenação a partir de servidores internacionais, dificultando rastreamento e responsabilização. Segundo um deles, “a eleição de 2026 ocorrerá em ambiente no qual atores externos têm mais capacidade técnica do que nunca para influenciar disputas domésticas sem deixar vestígios evidentes.”

O relatório também aborda o risco das chamadas estratégias de coleta agora, exploração depois, nas quais atores estrangeiros armazenam grandes volumes de dados públicos e privados para uso estratégico em contextos futuros, inclusive eleitorais. Para a Abin, esse cenário exige vigilância contínua e respostas coordenadas entre órgãos civis e militares.

Além do alerta central sobre o risco de interferência, o relatório traz outro trecho que reforça a preocupação institucional: “A competição internacional por influência política e tecnológica aumenta a probabilidade de que atores estrangeiros busquem impactar percepções internas por meio de operações encobertas.”

Integrantes da Abin ouvidos pela reportagem afirmam que a preocupação central está na combinação de três fatores: uso massivo de inteligência artificial para manipulação, plataformas estrangeiras que operam fora da jurisdição brasileira e ciclos eleitorais marcados por radicalização. Segundo um desses servidores, que falou sob condição de sigilo, “o ambiente digital brasileiro é hoje um dos mais suscetíveis a operações de influência de largo alcance, dada a nossa dependência tecnológica e a polarização interna consolidada.”

Outro integrante ouvido afirma que o monitoramento internacional mostra aumento de operações de desinformação transnacional na América Latina, e que o Brasil, por sua dimensão política e econômica, é visto como “alvo prioritário para experimentação de estratégias de manipulação informacional”.

O processo eleitoral surge como um dos principais pontos de vulnerabilidade. A Abin afirma que “a combinação de polarização social, infraestrutura digital vulnerável e ferramentas avançadas de manipulação algorítmica cria ambiente propício à interferência externa.” Entre os riscos apontados estão campanhas de desinformação transnacionais, ataques cibernéticos e conteúdos falsificados com IA. Segundo integrantes da agência, “atores externos dispõem hoje de mais capacidade técnica do que nunca para influenciar disputas domésticas sem deixar vestígios claros.”

Amazônia e pressões internacionais

O relatório dedica páginas inteiras à análise da Amazônia como alvo estratégico de influências externas. Em um trecho de forte impacto, a agência afirma que “a crescente internacionalização do discurso ambiental abre brechas para contestação de políticas domésticas e para tentativas de impor padrões externos de governança sobre território brasileiro.”

Outro ponto enfatiza que “a presença de organizações transnacionais em áreas sensíveis, aliada à baixa capacidade estatal em determinadas regiões, cria oportunidades para operações de influência que se apresentam como cooperação ambiental, mas que carregam objetivos geopolíticos mais amplos.”

Integrantes da Abin afirmam que pressões ambientais e acusações de omissão estatal podem ser exploradas por países interessados em ampliar sua influência sobre a região, especialmente em temas como mineração, biodiversidade e gestão de recursos hídricos. Um analista ouvido pela reportagem explica que “atores externos frequentemente exploram a narrativa da proteção ambiental para legitimar propostas que interferem diretamente na autonomia do Estado brasileiro.”

O documento é explícito ao afirmar que pressões ambientais podem ser usadas como instrumento político. Um dos trechos registra: “A Amazônia constitui ativo geoestratégico de interesse global, o que abre espaço para iniciativas externas de influência sobre políticas domésticas, especialmente em cenários de fragilidade estatal.”

Integrantes da agência afirmam que, na visão interna da inteligência, há risco concreto de que crises ambientais sejam utilizadas para justificar interferências indiretas em políticas nacionais. Um analista ouvido pela reportagem observa que “a combinação de crime organizado, falta de presença estatal e disputa internacional por recursos críticos cria ambiente para ingerências disfarçadas de cooperação ambiental.”

A interferência externa também aparece de forma destacada na análise sobre a Amazônia e o entorno sul-americano. A Abin afirma que a região é alvo de interesse de potências extrarregionais por suas reservas de recursos naturais, biodiversidade e posição geoestratégica. O discurso ambiental, segundo o relatório, pode ser instrumentalizado para impor condicionantes ao Brasil em negociações comerciais e diplomáticas.

O documento observa que momentos de fragilidade estatal — como aumento do desmatamento, avanço do garimpo ilegal e presença do crime organizado — servem de argumento para pressões internacionais que buscam influenciar políticas públicas internas. A agência alerta que a América do Sul voltou a ser tratada como área de disputa por influência, o que aumenta a intensidade dessas tensões.

Economia, cadeias de suprimentos e tecnologia

O relatório reforça que a disputa econômica global se tornou um dos instrumentos mais relevantes de interferência entre Estados. Em um dos trechos mais diretos, a Abin afirma que “sanções, tarifas e restrições comerciais assumem papel equivalente a instrumentos clássicos de pressão política, e seu uso tende a aumentar em cenário de competição estratégica entre grandes potências.”

Outro trecho destaca que “países altamente dependentes de importações tecnológicas e exportações de commodities, como o Brasil, tornam-se vulneráveis a retaliações que visam influenciar decisões políticas internas.”

A Abin também descreve o risco de interrupção de cadeias críticas — como semicondutores, fertilizantes, medicamentos e componentes de telecomunicações — apontando que “a capacidade de uma potência estrangeira de interromper fluxos logísticos essenciais pode produzir efeitos socioeconômicos imediatos, com impacto direto sobre estabilidade política interna.”

Outro eixo central do relatório diz respeito ao uso de instrumentos econômicos como mecanismo de pressão. A Abin descreve o avanço da competição entre Estados Unidos e China e afirma que tarifas, sanções e restrições comerciais passaram a funcionar como armas geopolíticas capazes de produzir efeitos políticos internos em países dependentes, como o Brasil.

Segundo o documento, o país ocupa posição sensível por depender do mercado chinês para exportações e de tecnologia ocidental para setores estratégicos. Essa dinâmica amplia a exposição brasileira a retaliações, interrupções de cadeias produtivas e imposições técnicas que podem limitar sua autonomia.
Soberania em risco permanente

Integrantes da agência ouvidos em caráter reservado afirmam que, no diagnóstico interno da inteligência brasileira, os Estados Unidos representam hoje a principal ameaça externa à soberania nacional, não apenas por sua capacidade tecnológica e influência sobre big techs, mas também pelo poder de pressão econômica, jurídica e informacional que exercem sobre países dependentes de suas infraestruturas digitais e financeiras.

Segundo esses integrantes, a combinação entre o alcance global das empresas sediadas no país, a legislação extraterritorial norte-americana e o uso de ferramentas econômicas como sanções cria um ambiente no qual decisões estratégicas brasileiras podem ser influenciadas de maneira indireta, silenciosa e contínua.

A síntese apresentada pela Abin é clara: a interferência externa deixou de ser episódica e passou a integrar a dinâmica cotidiana da política internacional. O relatório afirma que disputas tecnológicas, plataformas digitais estrangeiras, ciclos eleitorais acirrados e pressões ambientais compõem um ambiente em que o Brasil precisa reforçar instrumentos de soberania.

A agência defende a ampliação de mecanismos de defesa cibernética, o fortalecimento de políticas públicas voltadas à proteção do processo eleitoral e a redução de dependências tecnológicas e econômicas. O documento conclui que a vulnerabilidade brasileira envolve desde a formação de opinião pública até decisões estratégicas de longo prazo — e que reconhecer esses riscos é condição essencial para proteger instituições e processos decisórios de pressões externas.

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