Além de manobra para liberar R$ 4,2 bilhões, parlamentares são investigados por desvios e organização criminosa; menos de 40% das obras que receberam emendas foram concluídas
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, nesta segunda-feira (23), que a Polícia Federal investigue a manobra de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, para liberar a distribuição de R$ 4,2 bilhões em emendas.
A decisão é uma resposta às denúncias do PSOL, Partido Novo e instituições em que Lira e 17 líderes partidários tomariam para si a decisão sobre o destino das verbas.
“Os recentes “cortes de gastos” deliberados pelos Poderes Executivo e Legislativo tornam ainda mais paradoxal que se verifique a persistente inobservância de deveres constitucionais e legais – aprovados pelo Congresso Nacional – quanto à transparência, rastreabilidade e eficiência na aplicação de BILHÕES de reais”, ponderou Dino na decisão.
A rixa entre o ministro e o Congresso, no entanto, não teve início nesta segunda-feira, mas sim no início de agosto, quando Dino determinou que o orçamento secreto utilizado pelos parlamentares entre 2020 e 2022, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), fosse aberto ao público, com a íntegra das informações dos gastos dos deputados e senadores.
A temática, porém, vem ganhando ainda mais força no STF, pois além da insistência do Congresso na apropriação anônima de recursos que poderiam servir de investimento ao país – o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que mais de seis mil obras do novo Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) dependem do repasse de emendas para serem executadas -, o uso dos valores pode não ser tão bem aproveitado como os parlamentares alegam.
Em novembro, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido do ministro Flávio Dino, demonstrou que menos de 40% das obras financiadas por emendas parlamentares do antigo Orçamento Secreto, entre 2020 e 2023, não foram feitas.
O levantamento aponta ainda foram destinados R$ 330 bilhões para 10 cidades, das quais apenas uma é capital, Macapá. As demais cidades, também no Amapá, somam pouco mais de 60 mil habitantes juntas – o que representa a destinação de R$ 4 mil a R$ 7 mil por habitante.
Já em setembro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou ao STF outra denúncia, desta vez contra os deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE), que teriam tentando desviar parte dos recursos de emendas enviadas à Prefeitura de São José de Ribamar, localizada na Região Metropolitana de São Luís, capital do Maranhão.
Como contrapartida ao envio das emendas, os deputados do PL teriam pressionado o então prefeito da cidade, Eudes Sampaio, a devolver cerca de R$ 1,6 milhão, de acordo com inquérito da Polícia Federal (PF).
Parlamentares do União Brasil também estão sob investigação da Polícia Federal, desta vez na Operação Overclean, cujo alvo seria uma grande organização criminosa que usava os recursos públicos de emendas e de licitações municipais.
De acordo com a investigação da PF, importantes lideranças do União Brasil, como o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (2013-2021) e vice-presidente do partido, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e o senador do Amapá, Davi Alcolumbre, teriam desviado, por meio do empresário Marcos Moura, mais conhecido como “rei do lixo”, cerca de R$ 1,4 bilhão nos últimos anos
Em operação no início do mês, a PF apreendeu R$ 1,5 milhão com suspeitos, montante supostamente usado no pagamento de propinas.
Excrescência
O GGN contou com a opinião de especialistas sobre as polêmicas envolvendo as emendas parlamentares e o orçamento secreto.
Para o Thomas Traumann, ex-ministro de Comunicação Social, jornalista e mestre em ciência política, trata-se de uma excrescência absurda.
“A partir da gestão do Arthur Lira (PP-AL), o Congresso avançou sobre o orçamento de uma forma inacreditável. É o sonho de qualquer um. Hoje eles estão com R$ 45 bilhões de emenda sem nenhuma responsabilidade. É o sonho de qualquer político, você gasta sem prestar contas. Essa emenda pix é de uma excrescência absurda”, resumiu o mestre em ciência política.
Outro ponto que deixou o ex-ministro perplexo foi a suposta crise institucional criada pelos parlamentares e pela mídia tradicional sobre um assunto que se resume ao que ele chama de “fazer o mínimo”.
“O que o Flávio Dino está pedindo é simplesmente que cada deputado, cada senador seja responsável pela emenda, ou seja, que ele diga para onde essa emenda foi, no que ela foi gasta e que tenha uma prestação de contas dessa emenda sendo monitorada pelo TCU [Tribunal de Contas da União]”, continua Traumann.
À Agência Brasil, a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Cléo Manhas, avaliou que o aumento da execução do orçamento pelo Legislativo – iniciado em 2015 por meio das emendas impositivas – piora a capacidade de planejamento de políticas públicas e sua execução, reduzindo a eficiência na prestação de serviços à população.
A especialista destacou que o dinheiro para emendas impositivas não está previsto no Plano Plurianual (PPA), enfraquecendo o planejamento do Executivo para executar políticas públicas uma vez que o recurso na mão dos parlamentares é significativo – R$ 49,2 bilhões em 2024, cerca de um quarto do total dos gastos não obrigatórios, que é o que a União tem para investimentos.
“No PPA, o governo coloca suas promessas de campanha. Nele, você tem quais são as prioridades, quais as metas e indicadores que você tem que cumprir ano a ano. Aí vem os parlamentares que têm um recurso enorme e mandam a seu bel prazer para onde eles quiserem. Com isso, a lógica da programação e do planejamento fica em segundo plano”, explicou.